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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Leitura obrigatória de férias! Manuel Forjaz



Intróito
Fui um mau aluno universitário e do período não tenho boas memórias.
Lembro-me de uns professores que usavam umas palavras como Amendoácia para caçar incautos, mas sobretudo não me lembro de quem me tenha incentivado a gostar de aprender ou a usar o cérebro. “Mea culpa”, seguramente.
O ensino era sobretudo de memória e portanto quem a tinha melhor vencia tradicionalmente o prémio de melhor aluno, sobrando para os trabalhadores, viajantes, boémios, curiosos e experimentalistas os últimos lugares do pódio e trabalhar na função pública ou em anónimas pmes.
Aos melhores alunos cabiam as melhores propostas de emprego, tradicionalmente na Mckinsey ou Unilever, onde ao fim de 10 anos, um em cem chegava a um lugar de direcção, ganhando 4 mil Euros e com um BMW de serviço (o passo anterior era um carro francês). E com mais 10 anos de “carreira” um em mil chegava ao lugar de Director Geral.
O modelo de promoção e consecução da felicidade era simples: study, work, get promoted, money, power, visibility, get recognised, reproduce and die.

O Novo Mundo
Há anos que travo a batalha do empreendorismo familiar e social. Os governos portugueses há muito obnubilados pelas tecnologias insistem noutro caminho. O dos enzimas, do software, dos Magalhães e dos clusters muitos que sucessivamente vão soçobrando perante um mundo onde à rápida transferência de tecnologia e informação se aliam custos horários laborais muito competitivos, sistemas educacionais de ponta e baixos custos empresariais sociais (segurança social, sistema público de saúde, fundos de desemprego, etc). Que inevitavelmente ensanduicharão o sistema de produção de riqueza nacional entre os centros de saber de Berkeley ou Stanford e as fábricas de microchips de Xangai.
Por outro lado, no seu débil contributo para a promoção internacional da economia portuguesa, insistindo na derrotada lógica dos bens transaccionáveis, esquece-se de processos, métodos de trabalho e brainware por contraponto às fábricas de calçado (Aerosoles), a quem faltando aquele (moda, design, know-how de gestão de retalho, branding, sponsoring, etc., etc.) não podem obviamente vencer em mercados onde o soft skill é infinitamente mais valioso do que o transaccionável sapato.

Empreendedores
Entrevistei e tornei-me amigo de vários empreendedores portugueses que ao longo dos anos criaram a sua riqueza, independência e mobilidade, alguns deles que entrevistei no meu livro “A Bela, Belmiro e Empreendedores”.
Nenhum deles conseguiu o seu sucesso com tecnologias ou hardware ou mesmo com o comércio de bens transaccionáveis.
Paulo Maló agiu com bom senso e poder de observação quando há uns anos atrás inovou no mercado dos dentistas oferecendo um serviço onde não se sofria e onde não se esperava (enquanto eu andava numa coisa chamada Clínica do Rato onde o tempo médio de espera era de oito horas e o génio que me atendia me metia um joelho no peito enquanto me arrancava os dentes...). Hoje é o maior operador deste mercado do mundo.
António Galhardo Simões vende SMSs na sua Send-it aos milhões. Não inovou nada a não ser quando oferecia aos seus clientes além da plataforma tecnológica que outros tinham, a construção integrada das promoções de marketing e ao consumidor que os seus clientes tanto valorizam.
O Diogo Assis a fazer o mesmo que muitos outros (DMC) inovou quando convidou para sócio um partner inglês que fez exponenciar a facturação no mercado inglês.
Mesmo o Miguel Monteiro da CHIP7 não venceu (e mais soçobrou) pelos super-competitivos e transaccionáveis PCs que vendia. O Miguel venceu pela sua inesgotável tenacidade e porque também ele criou uma cadeia de inovação interna nas suas empresas (sempre o soft skill) ímpar até há alguns anos atrás.
O sucesso
Todos gostávamos de ser Bill Gates (ou pelo menos de ter o que ele tem), mas após lermos Outliers, entendemos o quão difícil é fazer coincidir um mínimo de talento, a uma óbvia oportunidade e a 10.000 horas de prática.
Todos gostávamos de ser Belmiro de Azevedo (ditto) mas há muito que os esperamos e parecem baixas as possibilidades de Portugal voltar a gerar um igual.

Os novos soft skills
Na sociedade ocidental, com a vastíssima maioria da população a pertencer a uma crescente classe média (no sentido em tudo está disponívele o meu pequeno almoço é igual ao de Américo Amorim), com consumos saturados numa grande panóplia de mercados (automóveis, telemóveis, alimentação e casa própria) claramente a pirâmide de Maslow ganhou mais um degrau .
Além do sucesso e reconhecimento profissional (ler ROBERTO SCHINIASHIKI “Cuidado com os burros motivados”), e do sucesso na construção duma forte auto-estima (e aparentemente os portugueses andam todos muito felizes, ver o último estudo da Visão), uma das fontes de felicidade passa pela arte da generosidade (ver “thanks” how the new science of gratitude can make you happier).
Este é um soft skill, portanto, não transaccionável no sentido aicepiano (que, ilustrativamente, não considera a metodologia de Cliente Mistério desenvolvida pela Ideiateca um bem transaccionável)

A crise e a oportunidade
“It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair, we had everything before us, we had nothing before us, we were all going direct to heaven, we were all going direct the other way - in short, the period was so far like the present period, that some of its noisiest authorities insisted on its being received, for good or for evil, in the superlative degree of comparison only. “ Charles Dickens, A Tale of Two Cities (referindo-se ao período da revolução francesa).

De facto um mundo onde 50 biliões de dólares acabavam com a fome, vê o novo afro-americano presidente dos Estados Unidos gastar triliões a tentar reparar não se sabe bem o quê e a gastar mais não sei quantas centenas de biliões em sistemas de armamento e guerras sem fim.
A desertificação do centro das cidades, o explodir do consumo das benzodiazepinas, os suicídios, o partido pró-pedofilia holandês, a droga, as novas epidemias (sifílis, BSE, aves), as velhas guerras, o crime columbine, o desemprego crónico, são maus sinais numa sociedade em que o estado formal não é suficiente para os resolver.
O empreendorismo social ou a capacidade de mudar e melhorar o mundo, criando riqueza e emprego, nasce assim juntando esta urgência de ultrapassar a falência ou insuficiência dos sistemas sociais e a uma nova ordem motivacional individual.
Há seis anos frequentei o Insead Social Entrepreneurship Program, num tempo em que a própria expressão era mais ou menos experimentalista. Hoje multiplicam-se cursos, fóruns, workshops, programas (só em Março contei mais de 20 iniciativas em Portugal) sobre a temática.
E a boa notícia para o país é que é exportável o modelo do The Hub em vias de ser replicado em Portugal. É transaccionável e replicável o modelo do Banco Alimentar contra a Fome. Dos Médicos sem Fronteiras. Dos Pais Protectores. Que em ambos os casos podem assumir a forma de licenças de operação ou cooperação, mas também operando em franchising, gerando valor, emprego e um inequívoco valor de reaproveitamento de excedentes e de aproximação a um maior equilíbrio social.
E todos ajudarmos a criar um mundo melhor. Diferente.
http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/12528_CUIDADO+COM+OS+BURROS+MOTIVADOS